Pesquisa Nacional de Saúde: mudamos entre 2013 e 2019? # 29
Já tratamos dos mais altos riscos que pessoas com disfunções metabólicas, obesidade e doenças crônicas têm de desenvolver formas graves ou severas da Covid-19, se infectados. Mostramos que a adoção de hábitos saudáveis reduz as chances de desenvolver obesidade, inflamação crônica, pressão alta, artrites, entre outras. Hoje comentaremos os hábitos dos brasileiros detectados pela Pesquisa Nacional de Saúde, PNS, que o IBGE aplicou pela segunda vez em 2019, com os resultados publicados no final de 2020. A PNS anterior era de 2013. Teremos evoluído para melhor?
A PNS, pesquisa por amostragem de domicílios, é realizada entre junho e agosto. Tem como população alvo os residentes nos domicílios selecionados aleatoriamente. A de 2019, amostrou 108.457 domicílios particulares em todo o País. Para responder ao questionário foi selecionado ao acaso um morador no domicílio maior de 15 anos.
Perguntou-se sobre hábitos dos moradores permanentes no domicílio, medidos em escala que vai do saudável ao não saudável, pelo número de vezes que o praticava ou pelo número de porções ingeridas. Foram levantados 12 indicadores, agrupados da seguinte forma: 1) alimentares - consumo durante pelo menos cinco dias da semana, de verduras, legumes, frutas, carnes vermelhas, refrigerantes, doces – conforme recomendações da OMS e muitas entidades médicas e outras instituições mundiais; 2) forma das refeições - substituição do almoço por lanche ou fastfood; 3) bebidas alcoólicas - mediu-se frequência e volumes ingeridos; 4) tabagismo; 5) prática de exercício físico; 6) movimentação para o trabalho; 7) tempo de lazer - assistindo televisão, com celular, tablet ou computador.
Essa escolha se deve ao fato reconhecido por inúmeros publicações científicas e por instituições de saúde no mundo que hábitos saudáveis contribuem de maneira decisiva para o estado de saúde das pessoas e, por consequência, de uma população. Hábitos saudáveis constroem um ser humano com mais saúde, uma população mais saudável, um envelhecimento igualmente mais saudável e uma mais alta expectativa de vida – assunto esse tratado reiteradamente neste blog.
A pandemia, que está longe de acabar, continua dominada por grandes incertezas quanto a terapias curativas, transmissibilidade e infectividade do vírus, variantes que possam evadir os anticorpos naturais ou derivados de vacinas, durações da imunidade, entre outras. Nossos comportamentos precisam continuar seguindo as orientações dos entendidos, intensificar a adoção de hábitos que conservem alta nossa imunidade, sustem a progressão de doenças crônicas já instaladas para reduzir as chances de termos formas graves da covid-19, caso infectados. Entretanto, parece que algumas práticas nesse período de pandemia se moveram em direção oposta à recomendada. É que o distanciamento elevou os níveis de ansiedade e depressão que levam pessoas a compensá-los na comida calórica e adoçada, bebida alcoólica e horas seguidas de sedentarismo.
A PNS revela quais tendências a população seguiu nesses seis anos entre as aplicações da pesquisa. A PNS/2019 antecedeu a emergência da atual pandemia e, portanto, seus achados não podem ser atribuídos nem à sua presença nem mesmo à suspeita de que perderíamos vir a tê-la em menos de seis meses. Não havia como antecipar sua chegada, embora a ocupação de áreas naturais para a atividade econômica permitisse antever que mais dia menos dia algum vírus zoonótico poderia saltar para humanos e aprender a saltar entre humanos. Precisamos estar alertas para novas possibilidade desse tipo.
A PNS levantou dados das pessoas que tinham plano de saúde e das pessoas que não tinham, por sexo, faixa etária, níveis de instrução, faixas de renda, localização urbana-rural. A base de microdados é muito rica.
Entre 2013 e 2019, o movimento foi no sentido da melhoria dos hábitos, tanto entre aqueles que têm plano de saúde quanto entre os que não têm: queda no percentual de fumantes diários, dos que consomem carnes vermelhas várias vezes por semana, dos que fazem uso diário de bebidas alcoólicas e dos que consomem comidas doces regularmente; e aumento no percentual dos que consomem frutas. Mudanças boas.
Em sentido oposto, caiu o percentual dos que se deslocam a pé para o trabalho e não houve mudança no alto percentual de sedentários (70%).
Preocupante foi o aumento no percentual de pessoas e nas quantidades de consumo não-diário de álcool nas faixas etárias de 19 a 59 anos (49% para 55%), e entre os idosos, (32% para 38%). Isso deveria ser objeto de atenção das autoridades, pelos efeitos do uso excessivo de álcool no longo prazo: aumentam as chances da hipertensão, doenças do coração, hepatite, cânceres de boca, garganta, esôfago, fígado.
Em 2019, pela primeira vez, a pesquisa levantou o consumo de verduras (68% entre pessoas com planos de saúde e 52% entre os sem plano); deslocamentos de bicicleta para o trabalho (mais de 70%); e o consumo de refrigerantes (9%).
A PNS constatou que os homens têm hábitos menos saudáveis do que as mulheres: consomem menos verduras e frutas e mais carnes vermelhas, refrigerantes e álcool (mais doses em mais dias da semana). Não deveria surpreender, portanto, que os homens tenham expectativa de vida ao nascer sete anos menor do que as mulheres. O DATASUS mostra que a mortalidade dos homens no Brasil, em 2019, foi 725 por 100.000 pessoas e a das mulheres, 562 – uma diferença considerável. A mesma estatística para causas evitáveis foi de 192 para homens e 135 para mulheres.
Os sinais das mudanças em curso são encorajadores, mas ainda há muito que se avançar, o que justifica campanhas e estímulos à mudança, como o Plano de Ações do Ministério para conter o avanço das doenças crônicas. Propõe reduzir o consumo de ultraprocessados em 20%, de bebidas edulcoradas em 30%, de bebidas alcóolicas (abusivo) em 10%, tabagismo em 30% e incentivar os fatores protetores com aumento de 20% na atividade física e no consumo de frutas e verduras.
Mudar hábitos não é simples, dado que estão arraigados no cerebelo, a base mais primitiva de nosso cérebro. Uma das formas talvez seja a de começar pela mudança de um hábito. Uma vez consolidado no cerebelo como novo hábito, partir para uma segunda mudança, e assim sucessivamente. Isso porque sabemos que os hábitos são interdependentes. Por exemplo, quem fuma tende a ingerir mais álcool, alimentar-se com produtos calóricos e vazios de nutrientes, ser mais sedentário, enquanto quem pratica atividade física tende a se alimentar melhor, evitar uso excessivo de álcool etc.
Comece hoje, mude um hábito. Será bom para você. Será bom para todos.
Fonte: https://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/healthy-diet.